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Conversando com a máquina

O CASO CRISTINE

- Alo! Ih, é uma máquina! Detesto secretárias eletrô-nicas! (clic, desligou).

No dia seguinte mais uma tentativa de contato.

- Alo, será a máquina? É, é você. Tudo bem, você pode me ouvir de qualquer forma! Quero a ajuda de alguém, mas de alguém distante, que não me conheça ou que não se envolva comigo. Quem sabe você não seja a solução? Temos a noite toda pela frente e posso, falar sem ser interrompida... Sabe, eu me sinto tão sozinha! A noite é a pior fase. Todos dormem e a minha insônia não me permite acompanhá-los. Para ser franca, eu pareço o avesso dos outros. Quando todos riem, sinto tristeza; quando todos choram, experiência indiferença. Não sei o que se passa comigo. Sinto um eterno frio como uma. lápide de mármore encostada nas minhas costas nuas. Às vezes imagino que é a pedra que estará brevemente escrita "Aqui jaz uma pessoa que nunca soube ser uma pessoa". Chega! Não quero falar mais. Vou aproveitar o pequeno sono que apa­receu agora para me igualar aos outros. Até amanhã, digo, até daqui a pouco, pois já são quatro horas.

O telefone desliga, mas fica o registro de uma estra­nha e inteligente pessoa que precisa dizer a alguém o que sente, embora tema a resposta que vem do outro lado.

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Algumas pequenas gravações ainda aconteceram basica­mente com a intenção de aquecer o contato.

- Alo, máquina - ela disse na oitava ligação. - Já sinto vontade de falar com você, principalmente agora que não tenho que ficar ligando toda hora quando a gravação acaba. Você estendeu o tempo para que eu pudesse falar mais. Sua voz é tão segura! Sinto inveja e admiração por você. Sua atividade em consultório, sua vontade de ajudar as pessoas, você deve ser bonita. Imagino seu rosto e sinto você próxima, mas não gostaria de tê-la perto. Essa grava­ção foi uma boa ideia. Os tímidos se sentem mais à vontade depois que imaginam que é apenas uma máquina inofensi­va. Ontem dormi por duas horas e isso me deixou mais aliviada. Sabe, tomo muitos remédios. Acho que são 13 por dia. Não f azem efeito nenhum. Sou muito ansiosa. Meu pai diz que eu sou maluca, e minha mãe, que sou histérica. Eu queria a sua avaliação, "a sua, sim, me importaria!" Eles não gostam mesmo de mim! Você pode achar estranho os pais não gostarem dos filhos, mas me dizem isso aberta­mente! Tenho uma irmã, mas ela. é casada, é feliz e tem um filho lindo. Eles não deixam que eu me aproxime dele porque posso traumatizá-lo... Minha irmã tem tudo o que quer. Sabe, ela é burra. Eu me sinto inteligente, mas não vejo ninguém valorizar isso. Sempre fui boa aluna, mas me tiraram da escola. Sabe por quê? Porque a minha irmã precisava de grana para casar. Escola pública era a solu­ção, mas não consegui vaga. Passei a ler muito, muito, e cada vez me fechei mais no meu mundo encantado. Hoje sinto medo das pessoas. Acho que elas ficam melhores nos livros, assim como você fica melhor na secretária eletrônica. Pra que eu preciso me envolver? Vou ser rejeitada de novo!... Bem, amanhã volto a f alar.

Vários registros de sua fala se sucederam em meio a desabafos. O objetivo parecia ser a descarga de algo que precisava dividir, mas não sabia com quem. Desta vez a máquina registrava uma mensagem para ela. - Algumas pessoas não compreendem o que se passa conosco, mas sempre há alguém com quem a gente possa dividir...

- Üé! Você agora fala só para mim? E se alguém resolver ligar de madrugada? Vai achar que a louca é você! Puxa, você não se preocupou com isso! Penso que você deve achar que sou uma louca, não é? Falando com a maquina



o tempo todo, mesmo depois desse seu convite... Não, sei que você tem me ouvido com atenção e já deve ter formado uma imagem de mim. Tive a sensação de que você está não apenas me ouvindo curiosamente, mas me compreenden­do. Também, eu quase a obrigo a isso, não é? Queria ter a coragem de lhe dizer quem eu sou e ir até você pessoalmen­te, mas ainda não é a hora... Hoje resolvi sair de casa. Andei pêlos parques, procurei o sol É como se estivesse permitindo a entrada de alguma luz. Cheguei a olhar umas roupas nas lojas, mas ainda tenho medo de pedir para meus pais. Você não acha que pareço uma matuta? É como eu me sinto quando entro em contato com a vida! Não sou mais criança, mas o que fiz até agora? Será que aprenderei tudo em tão pouco tempo? Sabe, vejo em você uma espécie de exemplo. Queria ser você. Quero voltar a estudar e abrir meus horizontes, mas preciso ganhar dinheiro... É engra­çado, mas essas coisas são tão reais e mesquinhas pra mim! Antes só pensava na realidade. É tão dura e não me sinto preparada. Paro por aqui hoje. Amanhã espero ter novidade.

Nessa ligação já existia uma ponta de esperança de uma vida melhor. Será que o medo de viver já começa a ser questionado?

- Alo, amiga/ Ontem eu consegui dormir. Não foi uma noite tranquila de sono, mas já permitiu que o meu corpo descansasse. Tive muitos pesadelos e um deles escolhi para dividir com você. Estava caminhando por um parque à noite e, de repente, muitas pessoas vinham ao meu encontro com pedaços de pau nas mãos. Sentia que preci­sava correr, mas alguma coisa me impedia. É como se os meus pés estivessem presos ao chão e não mais me obede­cessem. As pessoas se aproximavam com gritos e eu suava frio. Sentia a tal lápide de novo, mas algo estava diferente: eu sentia uma espécie de raiva de sentir medo. Fiquei ali, e, mesmo com medo, pude perceber que as pessoas vinham ao meu encontro pedir ajuda. Elas estavam com medo de ladrões, e o que elas queriam era que eu me juntasse a elas. Estranho como me senti útil diante de tal surpreendente atitude! É como se tivesse mudado o rumo do sonho por uma estranha vontade de viver. Sentia que meu corpo ardia e acordei vermelha. Fui ao Jardim Botânico para espaire­cer. Havia lá um grupo de crianças de uma escola de



excepcionais. Elas brincavam sem saber o que ocorria com elas. Parecem ser crianças que vivem suas experiências sem pensar muito nas consequências. Sujinhas, meio que abandonadas, vivem felizes no seu mundinho. Quero vê-las mais uma vez.

Uma luz se acendeu para ela. Percebeu a vontade de viver de outros e já estava buscando um novo sentido para a sua vida. Queria ser útil como "eu" estava sendo para ela. Já não precisava ser o que eu era, mas o que ela podia ser para si mesma.

- Alô, grande amiga/ - expressou essa nova pessoa. - Dormi bem esta noite e, como lhe prometi, fui ao Jardim Botânico de novo. Lá estava aquele grupo de criancinhas doentes que não tardaram a vir ao meu encontro. Ficamos juntas por um longo tempo e não me lembro de ter me sentido tão feliz assim antes. É bom esse sentimento! Perguntei à moça que cuidava delas como elas viviam, e eis que soube que essas pessoinhas eram sozinhas. Essa escola especial me chamou muito a atenção. Queria conhe­cer o seu trabalho. Fui até lá hoje mesmo. Sabe, amiga, levei uma delas no colo! Ela parecia tão feliz! Experimentei a sensação de ser mãe. Na escola vi muitas dessas garoti-nhas e garotinhos felizes no seu triste mundo de pobreza intelectual e abandono. Perguntei como fazer para ajudá-los. A diretora disse não estar precisando de ajudantes, e que, além do mais, o salário era pouco, embora as gratifi­cações fossem muitas. Percebi que era o que eu estava precisando. Entrar em contato com essas pessoas espe­ciais seria de grande beneficio pra mim. Insisti, mas nada consegui Aí tive a ideia de ser uma voluntária. Ficaram de pensar, e já sinto esperança. Nem pensei nas consequên­cias. Ao chegar em casa, contei aos meus pais a notícia que havia me deixado feliz e eles nem sequer ouviram. Mas isso não acabou com a minha alegria. Eles são mais pobres do que aquelas criancinhas. Estou louca para chegar amanhã. Vou dormir mais cedo hoje. Queria lhe agradecer o que tem sido pra mim. Um dia eu sei que vou conhecê-la. Quero abraçá-la, mas não quero que seja agora

Suas ligações se ausentaram por seis meses. Senti um vazio grande por chegar ao consultório e não mais ouvir aquela criatura buscando crescimento que eu apren­dera a gostar. Era alguém que apenas precisava se ouvir



através do outro; alguém que carecia de um sentido em sua vida para viver melhor. Essa pessoa superdotada intelectualmente e introspectiva explodiu no contato e perdeu o medo de suas consequências. Agora ela está tentando ser e não apenas viver de reminiscências do passado. Está tentando ocupar sua vida com coisas maio­res, relendo todo o resto com uma nova técnica, ou uma nova gramática; algo que se adeqüe às suas atuais desco­bertas. Agora ela é uma pessoa, e isso já não a assusta.

- Alo, Tereza/ Está tudo bem? Senti saudades dos nossos "papos", mas acredito que queria desenvolver outro tipo de relação com você agora. Quero lhe contar o que se sucedeu comigo nesses últimos meses. Estou empregada e fazendo um curso à noite. É naquela escolinha para excep­cionais. O meu desempenho foi tão bom que a direção resolveu me oferecer uma bolsa de estudos pra eu me tomar, mais tarde, uma especialista em crianças com esse problema. Sinto-me eternamente feliz. Posso pensar nas coisas que as outras pessoas pensam: namoro, cinema, etc. É como se eu tivesse sido alfabetizada e pudesse ler as notícias do mundo. Agora sinto-me livre para dizer quem sou eu; para conhecê-la pessoalmente e ver a amiga de perto. Sou Cristine e quero dizer que estarei aí em breve, para fazer terapia com você.

No dia seguinte, no primeiro horário, Cristine apa-. receu com um grande sorriso. Abraçamo-nos como velhas amigas e uma relação começou. Aprendemos muito, uma com a outra, mais eu do que ela. Vivemos a expectativa de coisas boas durante algum tempo e alcançamos esse resultado. Vivi seu conflito, mas também sua solução. Aprendi que, para ser, é preciso se ouvir em seu próprio tempo, mas é necessário que algum tipo de ajuda ocorra. A meu ver, a ajuda maior é a aceitação. Não importa se esta se origine de uma máquina, de um amigo, de um pai, de um terapeuta... Se a gente se sente aceito, se vê com coragem para descobrir aquilo que mais se teme. É a luz no quarto escuro! Fico feliz que Cristine tenha encontrado seu caminho. Fico feliz por perceber que acendemos jun­tas esse interruptor!



COMENTÁRIOS

Esse caso sugere algumas reflexões. Em primeiro lugar, trata-se de uma pessoa superdotada intelec­tualmente, que se sente incompreendida, cujo modelo único de aprendizagem foi o de defender-se do mundo. Imersa em um enorme vazio, limita ainda mais sua vida estreitando o contato com o meio: para não se machucar mais, não se relaciona. Escolheu como forma de vida a oposição. O que isso significa? Já que não "pode" ser o que esperam dela, reafirma sua presença pelo seu antago­nismo, mantendo dessa forma o mínimo de identidade pessoal a salvo. Cristine leva tal oposição ao extremo, chegando a antever sua morte em pleno desenvolvimento da vida. Evidentemente uma pessoa assim, que dá volta em seu próprio "umbigo", não pode conhecer os seus reais limites. Vive segundo limitações impostas por outros sem sequer reconhecer sua capacidade de ultrapassá-las. De­senvolve sintomas físicos como insônia e ansiedade, muito presentes em pessoas que desconhecem o sentido da vida. Concretiza tal vazio no medo de perder as pessoas ou mesmo de se perder nelas - medo universalmente aceito. Tratada como uma pessoa desequilibrada, e tendo uma irmã que recebe todas as considerações de uma pessoa "normal", não foi capaz de desenvolver uma auto-imagem adequada. Ao contrário, a baixa auto-estima a conduz a escolhas de comportamentos que confirmam o tempo todo essa imagem.

Na busca de ajuda - apesar de parecer surpresa com a máquina e de afirmar detestá-la - acaba por aceitar se expor a uma gravação. Claro está que não foi por acaso que acabou aceitando esse tipo de ajuda. Era uma "rela­ção" sem ameaças. Só um lado falava, enquanto o outro não tinha nada a acrescentar. Da oposição de ideias surge o conflito e, para alguns, a consequente rejeição. Tal sentimento não era possível suportar, já que era uma marca antiga da sua história. Fugir, fugir o tempo todo, como se o escapismo não fosse uma ameaça à existência!

Um segundo ponto a ser considerado é a forma como Cristine se dirigiu à máquina: - Já sinto vontade de falar com você. Sua voz é tão segura! Sinto inveja e admiração por você. Sua atividade em consultório, sua vontade de



ajudar às pessoas. Você deve ser bonita... Toda essa fantasia é uma espécie de idealização que a cliente faz, idealização essa proporcional à sua baixa estima. Quanto maior é o abismo entre o eu-real (imagem que uma pessoa tem de si mesma) e o eu-ideal (projeção de como gostaria que fosse), maior é a ansiedade para atingir a idealização e abafar o que se é. Quando a estima para com o ser é baixa, mais a pessoa desenvolve projeções daquilo que gostaria de ser. É como uma espécie de compensação para sua restrita visão.

Cristine, sem parâmetros, precisava ter uma medi­da comparativa, ainda que por imaginação. Sentir que a dona da voz possuía qualidades desejadas a fazia se sentir mais segura para expressar aquilo que sentia, mesmo que ainda sem envolvimento. Entretanto, uma pequena entre­ga já havia começado pelo simples compromisso que ela estabeleceu consigo mesma de desabafar a sua história. A certeza de que a terapeuta estava de prontidão para ouvi-la confirmou-se: o fato de a máquina ter ficado na marca das gravações ilimitadas. Assim, a cliente pôde ter a certeza de que estava sendo ouvida e, o que é também importante, aceita. É como se a terapeuta estivesse dizen­do: "fale à vontade que eu estou aqui para ouvi-la". Esse foi o pequeno e mais importante contato que a terapeuta conseguiu estabelecer com a cliente. Sendo ouvida, sem críticas, o reforço foi grande, aumentando ainda mais o seu comprometimento, a ponto de ir inaugurando o con­tato consigo mesma através de tais gravações. O que ela não percebia é isto: o que fazia era se ouvir. Este contato foi se expandindo e ela começou a expressar sinais disso como numa analogia.

- Andei pêlos parques, procurei o sol É como se estivesse permitindo a entrada de alguma luz. De fato, alguma luz se acendera dentro daquele corredor escuro. Ela procurou isso. Saiu, aos poucos, da imagem de única vítima do mundo, para se perceber como mais uma. O contato tão temido se tornou nesse momento a abertura para a vida. Ao olhar pequenas crianças carentes, sentiu um objetivo que podia desenvolver. Era um significado novo que precisava para olhar o mundo com uma outra lente. Uma força renascera! E ao se sentir útil, em contato com as suas possibilidades, a precoce imagem insípida de



seu eu poderia agora se esmerar. - Senti a tal lápide de novo, mas algo estava diferente, eu sentia uma espécie de medo de sentir medo. Curiosamente, ao mesmo tempo que começa a olhar mais adultamente para suas limitações, até mesmo na tentativa de melhorá-las, vai sentido a fragilidade da imagem dos seus pais. Os opostos ainda permanecem, mas o fundo vai sendo alterado. - Eles são mais pobres do que aquelas criancinhas.

A ausência de suas ligações também é justificada. O que antes fazia como desabafo, uma atitude quase que Impulsiva de se chegar a si mesma, agora vem lapidado. Com uni significado real na sua vida, precisava sozinha despertá-lo ao máximo. Não era necessário o subterfúgio de se ouvir através de algo ou alguém, era indispensável sugá-lo até a última gota "egoisticamente". Tinha chegado a sua vez. Era mister um tempo para refazer sua imagem, concatenar ideias, para ser.

A volta às ligações já se fez com uma nova roupa­gem. Pode-se notar que até a forma como ela se dirigia à máquina foi sendo modificada em proporção às suas descobertas. De um tratamento impessoal - "a máquina..." - para um mais comprometedor - "Oi, amiga!", ou "Grande amiga". Chega a se referir à terapeuta pelo nome, justo quando resolveu se identificar. Não havia mais barreiras. Cristine, já se identificando, não temia mais o outro, pelo menos da forma anteriormente vivida. Desafiou os limites proibidos e pôs-se a descobrir o mundo.

Toda essa rica história que Cristine nos proporciona remete-nos à força motivacional básica do desenvolvimen­to: a busca do sentido da vida.

Se o homem é um projeto que nada mais é do que a antecipação do que será, é pela projeção que se tornará um existente. Na procura de sua essência emerge de seu íntimo e começa a desenhar as formas de seu ser. Vai obtendo consciência de si mesmo, expressão própria do indivíduo como ser-no-mundo, ato que lhe confere alguma identidade. Da interação com outros acontecimentos e pessoas, vai formando não somente uma imagem de si mesmo, como também vai aprendendo a conhecer sua condição de existente. Quanto mais consciência tiver des­sas condições, mais será livre. Entretanto, essa liberdade não é alcançada sem angústia e medo. Desocultando-se,



permite-se realizar a sua criação. Esse é o principal risco! O impedimento desse projeto gera um enorme vazio. O sentido da vida é a busca de realização de um propósito particular capaz de iluminar os demais projetos. Se essa luz não acende, a reestruturação dos valores cessa e a liberdade declina. O indivíduo se sente oco, sem vontade de viver e, certamente, esse vazio também explode nas funções orgânicas. Inapetência, insônia, isolamento con­tribuem para uma vida triste e vazia. Mas é no contato consigo mesmo, em plena solidão, que alguém aprende a viver com o outro e, ao se descobrir, constrói sua própria vida.

Faz parte do existir a busca constante desse senti­do. Jamais se deixa de se construir! Apesar do mal-estar que isso possa inicialmente gerar, uma pessoa aprende a lidar com o risco e a responsabilidade de sua escolha. Fugir da angústia é protelar o sofrimento, pois, ao fazê-lo, diminui-se o contato com o meio e reduz-se o número de opções disponíveis. Dessa forma, a escolha será menos conflitada, mas em compensação o indivíduo esbarrará com um novo problema: negando a sua liberdade, entra em contato com a culpa; a culpa de haver fracassado em seu projeto. Dai em diante é fácil prever que a angústia retorne, e o que antes se pensava poder liquidá-la, agora serviu para aumentá-la ou mante-la.

A angústia normal é como uma febre: é indício de que algo não está bem e que precisa ser olhado, cuidado. A incerteza de uma escolha adequada, o medo de perder o outro, o medo de "se perder" no outro, enfim, o confronto com o não-ser... são as origens ontológicas dessa angústia existencial. Apreende-se irreflexivamente a liberdade. Mas o homem precisa viver com algo mais concreto, e a forma que encontra de justificá-la é transformá-la em medo, geralmente por algo que pode compartilhar com todos - o medo da morte, por exemplo. Pode aparecer como o medo de ser rejeitado ou de perder as pessoas, o que não deixa de ser uma "morte".

O vazio existencial termina quando se resolve bus­car um real sentido para a sua existência. Apesar dos riscos que isso possa envolver, o risco maior ainda parece ser o não-ser. Uma vez encontrado o significado, o ser encontra forças para atualizar os demais projetos.



Cristine desocultou-se e permitiu o fluxo natural da realização da sua obra mais cara: sua autocriação!

O caso de Cristine pode parecer inverossímil para alguns, como inicialmente pareceu para mim. Como pode uma pessoa, bem dotada intelectualmente, ficar conver­sando com uma máquina por várias noites? Como pode ter tido reflexões capazes de fazê-la alterar sua conduta? O leitor pode indagar. Sua capacidade intelectual rara, sua disposição a se testar, seu momento, são algumas das possíveis variáveis que podem ajudar o leitor a refletir. Tudo isso também me espantou ao mesmo tempo que me fez compreender sua solidão e medo. Suas palavras foram transcritas o mais fiel possível, embora os floreios tenham ficado por conta do meu estilo de escrever.

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