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A PRÁTICA DA PSICOTERAPIA INFANTIL

Estudos de Psicologia I Campinas I 22(1) I 43-51 I janeiro - março 2005

1 Departamento de Psicologia, Universidade do Sagrado Coração de Bauru. Rua Irmã Arminda, 10-50, 17044-160, Bauru, SP, Brasil. Correspondência

para/Correspondence to: M.I. M. COSTA. E-mail: .

2 Pós-Graduação em Psicologia Clínica, Universidade Católica de Pernambuco. Recife, PE, Brasil.

▼ ▼ ▼ ▼ ▼

A prática da psicoterapia infantil na visão de

terapeutas nas seguintes abordagens: psicodrama,

Gestalt terapia e centrada na pessoa

The child psychotherapy practice according

to the following approaches: psychodrama, Gestalt

therapy and person-centered

Maria Ivone Marchi COSTA1

Cristina Maria Souza Brito DIAS2

Resumo

Este trabalho objetivou conhecer como psicoterapeutas - de psicodrama, Gestalt terapia e abordagem centrada na pessoa (dois

de cada abordagem) - que trabalham com crianças experienciam sua prática cotidiana. A pesquisa qualitativa utilizou entrevistas

semidirigidas para o levantamento dos dados. A análise e a discussão dos resultados basearam-se na literatura consultada e

permitiram concluir que os sentimentos experimentados são a valorização do caráter preventivo do trabalho com a criança, a

frustração, a solidão e a impotência quando não contam com a colaboração dos pais. Em relação aos obstáculos enfrentados,

têm-se a dificuldade em obter aliança com os pais, o pequeno número de profissionais atuantes na especialidade e a escassez de

pesquisas e literatura. Os recursos utilizados são a rede social da criança, brinquedos (estruturados ou não), testes e técnicas; as

necessidades sentidas são a atualização constante e a troca de experiência com outros profissionais. Em relação à avaliação

da especialidade, conclui-se que a atuação na área requer esforço físico, compreensão da linguagem infantil e superação das

limitações da própria formação.

Palavras-chave: Gestalt terapia; psicodrama; psicoterapeutas; psicoterapia da criança.

Abstract

The present study has investigated how is the daily practice of children’s therapists from Psychodrama, Gestalt Therapy and

Person-Centered (two of each approach). Semi guided interviews had been used to the qualitative data research, and the analysis of the

results were based on the adequate literature. This study has appraised consequent feelings as the children’s treatment preventive issue,

and the frustration, loneliness and impotence as feelings related to those cases when parents don’t want to be part of the process. Also,

the difficulties in establishing parents’ link or cooperation, and lack of specialized professionals, literature and researches was considered

the obstacles of these therapy approaches practices. Children’s therapy practice uses resources such as toys, children’s social net, tests,

techniques; and requires the professionals’ good health condition, children’s language comprehension ability, and the to overcome the

graduation limitations.

Key words: Gestalt therapy; psychodrama; psychotherapists; child psychotherapy.

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M.I.M. COSTA & C.M.S.B. DIAS

Estudos de Psicologia I Campinas I 22(1) I 43-51 I janeiro -.março 2005

O psicoterapeuta infantil com orientação de

base humanista-existencial tem como meta realizar um

trabalho clínico no qual exercer o papel de facilitador

do autoconhecimento, possibilitando à criança

vivenciar e experienciar a liberdade e o poder de

escolha por meio de espaço, escuta, nominação de seus

desejos e respeito pela sua singularidade. Deve

propiciar, ainda, o reencontro consigo mesmo e a

emergência de outras possibilidades por intermédio

das quais possa encontrar recursos para ressignificar o

sofrimento psíquico, denunciado ou não em forma de

sintomas. Essas, possivelmente, tenham sido as

manifestações que motivaram a busca, geralmente dos

pais ou responsáveis, pelos serviços profissionais de

um psicoterapeuta.

Para o psicoterapeuta clínico infantil, de

orientação de base humanista-existencial, quase

sempre são inquietantes a solidão de se atuar nessa

especialidade e as abordagens quando o assunto é

troca de experiência com outros profissionais da

mesma área. A escassez de congressos e cursos

voltados para essa prática é também outra dificuldade

constante a ser enfrentada. É possível encontrar um

certo número de referências bibliográficas sobre o

desenvolvimento infantil ou teorias de personalidade,

psicopatologia, psicomotricidade. No entanto, quanto

a teorias da prática, são poucas as opções na literatura.

Essa carência é sentida especialmente nas abordagens

terapêuticas psicodrama, Gestalt terapia e centrada na

pessoa, direcionadas à prática infantil - que necessitam

de atualizações e/ou complementações por meio de

parceria com outros autores e/ou busca e traduções

de textos vindos do exterior.

A dificuldade de conseguir estabelecer uma

aliança com os pais ou responsáveis e, por conseguinte,

a sua colaboração no processo terapêutico da criança,

também produz no terapeuta um sentimento de

impotência e solidão. Não que o processo somente

com a criança não possa avançar, mas, sem dúvida, a

colaboração dos pais ou responsáveis aumenta as

chances de aproveitamento.

Diante dessas questões, este trabalho buscou

investigar junto a psicoterapeutas que trabalham com

crianças com diferentes abordagens teóricas (psicodrama,

Gestalt terapia e centrada na pessoa) como está

sendo experienciada a sua prática cotidiana, sintetizando-

a nas seguintes dimensões: sentimentos

experimentados; obstáculos vivenciados; recursos

utilizados; necessidades sentidas e avaliação da

especialidade, categorias que emergiram como as mais

relevantes por ocasião da análise das entrevistas.

Método

Esta pesquisa, de caráter qualitativo, foi realizada

com seis psicoterapeutas humanistas-existenciais

(psicodrama, Gestalt terapia e centrada na pessoa), do

sexo feminino, que trabalham com crianças, sendo duas

de cada abordagem. Com exceção de uma

psicoterapeuta (centrada na pessoa) que tinha 30 anos

de experiência como psicóloga clínica infantil, as

demais tinham entre 10 e 18 anos de experiência. Três

das psicoterapeutas - uma de cada abordagem - eram

também professoras do curso de graduação de

psicologia e supervisoras em clínica-escola em

universidades particulares. Todas as terapeutas

entrevistadas eram da cidade de Recife, Estado de

Pernambuco. A dificuldade em encontrar psicoterapeutas

do sexo masculino que atuassem na prática

infantil determinou que as entrevistas se realizassem

apenas com terapeutas do sexo feminino.

Utilizaram-se entrevistas semidirigidas como

instrumento de pesquisa por propiciarem a emergência

dos conteúdos de forma espontânea, singular e livre.

O início da entrevista com cada colaboradora se deu

mediante a seguinte questão estimuladora: “Me conte

sobre a sua experiência de ser uma psicóloga clínica

infantil”. A pesquisadora fez, ainda, algumas perguntas

visando à ampliação e/ou à compreensão das

respostas. As entrevistas foram realizadas individual e

pessoalmente com as colaboradoras, sendo gravadas

em fita cassete, transcritas na íntegra e analisadas

qualitativamente. A análise e a discussão dos resultados

tiveram por base a literatura consultada.

Resultados e Discussão

Como já referido, após a transcrição das

entrevistas, observou-se que as respostas poderiam ser

agrupadas em cinco temas comuns: sentimentos

experimentados, obstáculos ou dificuldades sentidas

no exercício profissional, recursos utilizados,

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necessidades sentidas e avaliação da especialidade. As

psicoterapeutas também fizeram outras observações

que foram relacionadas.

Sentimentos experimentados

As psicoterapeutas relataram que trabalhar com

crianças é algo muito valioso pela possibilidade de uma

ação precoce e/ou preventiva, tornando-se gratificante

pela contribuição que representa junto à criança, família

e sociedade. A espontaneidade da criança na sua comunicação

verbal e não-verbal normalmente favorece o

vínculo entre profissional e cliente e, conseqüentemente,

a evolução da criança no processo terapêutico

tende a ser naturalmente mais rápida, salvo quando a

colaboração da sua rede social é imprescindível, mas

inexistente.

Tais resultados evidenciaram a necessidade de

estabelecer uma comunicação efetiva entre terapeuta

e criança, sendo importante a atenção que o

profissional deve dar à sua própria linguagem,

disponibilizando-se a sair do mundo adulto e

intelectualizado para alcançar o mundo lúdico da

criança, com todo o seu simbolismo. Conectar-se com

a capacidade cognitiva da criança no seu momento

evolutivo, colocando-se aberto à gama de conteúdos

nem sempre verbais que a criança desenvolve é

imprescindível ao terapeuta, que apenas dessa forma

poderá eliminar o abismo existente entre ambos, muitas

vezes reforçado até pela própria diferença da estrutura

física do adulto. Assim sendo, é bem possível que a

criança o compreenda e se sinta compreendida.

Para Axline (1980b), o terapeuta deve se

apresentar amigavelmente adulto e digno, trazendo à

sala de terapia algo mais que sua presença, lápis e papel:

é necessário que a criança confie no terapeuta.

Segundo Oaklander (1980), o terapeuta deve se mover

junto com a criança no sentido de saber quando falar e

quando permanecer em silêncio. Para Bermúdez (1997),

a tarefa do diretor (terapeuta) é a de acompanhar e

seguir o protagonista (cliente) na busca de sua verdade,

oferecendo-lhe, para que possa encontrá-la, todos os

recursos pessoais, técnicos e metodológicos de que

dispõe.

De acordo com Grandesso (2000b), trabalhar

com crianças exige do terapeuta a habilidade de

aproveitar ou criar oportunidades desde o momento

em que se vê frente a frente com a criança: desenvolver

uma conversação em torno de seus interesses,

habilidades, conhecimentos e particularidades, de

modo que ela possa emergir como sujeito e possa ser

levada a sério, mesmo durante a brincadeira. Mais do

que isso, na visão dessa autora, trabalhar com a criança

envolve poder falar, de modo lúdico, das dificuldades,

mas de modo suficientemente sério para gerar

alternativas de mudança. A autora complementa que

o grande desafio para o psicoterapeuta assim orientado

está em inserir-se no mundo da criança, deixar-se

conduzir pela curiosidade genuína, permitir-se admirar

o material trazido por ela, usando a riqueza da imaginação

infantil. Enfatiza, também, que embora o

psicoterapeuta tenha muitos planos e objetivos, não

deve haver expectativas: cada sessão é uma experiência

existencial; o que tiver que acontecer acontecerá. É

importante manter uma atitude que sustente o

potencial pleno e saudável da criança, num ambiente

de segurança e de respeito às suas capacidades e

sentimentos.

Nesse sentido, Epston (1997) considera como

tarefa do psicoterapeuta assistir a criança na produção

de conhecimento, gerando suas próprias soluções. Para

o autor, a estranheza que tal afirmação pode causar

decorre do fato de, habitualmente, o adulto esperar que

a criança o leve a sério tentando trazê-la para o mundo

adulto em vez de considerá-la seriamente, procurando

compreender o seu mundo.

Axline (1980), em seu sexto princípio psicoterápico,

alerta sobre a responsabilidade do psicoterapeuta

quando entra no mundo da criança para que

tenha o cuidado de não ser invasivo, de maneira que a

criança não seja bloqueada pela intromissão de sua

personalidade no momento de brincar. É importante

estar atento às suas sinalizações e indicações de

caminhos, ficando o terapeuta na condição de

acompanhá-la.

Oaklander (1980) ratifica esse aspecto ao

salientar que o psicoterapeuta tem que ter a habilidade

de não ser invasor, de ser leve e delicado sem ser

demasiadamente passivo.

Paradoxalmente a esses aspectos que tornam

o trabalho valioso e gratificante, sentimentos como

frustração, solidão e impotência também acompanham

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a prática dessa especialidade no que se refere à

dependência que o processo psicoterápico da criança

tem em relação aos pais ou à rede social. Embora se

encontrem pais que cresçam muito com o processo e

sejam exímios colaboradores, há outros que, por razões

diversas, acabam por dificultar o processo de

crescimento de seus filhos. Isso deixa o profissional

solitário, impotente e frustrado, já que a criança tem

pouca autonomia, ou seja, ela é dependente deles até

mesmo para iniciar ou suspender o processo.

Acredita-se que muito da resistência, principalmente

dos pais, é decorrente da crença de que serão

apontados como culpados pelos problemas da criança

e que o psicoterapeuta estará ali desempenhando o

papel de denunciador dessa culpa, crucificando-os. Tais

sentimentos que permeiam o imaginário dos pais,

provavelmente, são decorrentes de práticas que ainda

se apóiam numa visão que foca mais as deficiências do

que as competências e que acabam por desqualificar

o saber dos pais, salientando o saber do terapeuta, que

é o especialista, já que estudou para isso. Concorda-se

com Grandesso (2000a) quando afirma que posturas

terapêuticas respaldadas num posicionamento em que

o terapeuta é o expert do conhecimento contribuem

para dificultar a parceria com a rede social da criança,

minimizando o trabalho colaborativo, tornando

vulnerável o processo, despertando sentimentos de

solidão, impotência e frustração nos terapeutas.

Acredita-se que esse tipo de prática acentue a

dificuldade de conseguir um trabalho colaborativo,

isente a família como co-participante do processo da

criança, possibilitando campo fértil em predispô-la a

desenvolver resistências e, assim, dificultar o processo

de parceria. Isso pode ter influência na motivação do

profissional, inclusive desmotivando-o a continuar a se

dedicar a essa especialidade. Entretanto, sugerem-se

pesquisas futuras a esse respeito.

A maturidade emocional do psicoterapeuta e a

experiência profissional na área são citadas - tanto pelas

colaboradoras como pela literatura - como propulsora

do desenvolvimento de uma habilidade maior na

articulação entre teoria e prática, especialmente no que

concerne ao âmbito familiar. Destaque-se que isso

propicia ao profissional uma maior segurança, que será

refletida numa ação mais efetiva na articulação e

viabilização da conquista da aliança terapêutica,

atenuando as dificuldades quanto à cooperação da

rede social da criança, favorecendo uma maior

efetividade nos resultados do processo.

Nessa dimensão, ainda, os psicoterapeutas

também relataram experienciar solidão profissional,

visto que há poucos terapeutas atuando na área de

psicoterapia infantil nas abordagens pesquisadas, o que

inviabiliza trocas de experiência e encaminhamentos.

Obstáculos ou dificuldades no exercício

profissional

Um dos maiores obstáculos apontados na

prática da psicoterapia infantil diz respeito à dificuldade

de se conseguir o apoio dos pais. Além disso, as

participantes acrescentaram que há poucos

profissionais trabalhando na área e que a literatura é

escassa. A dificuldade de se conseguir aliança com os

pais ou outros membros significativos da rede social

da criança é algo que se destaca na prática clínica

infantil. Muitas vezes o progresso terapêutico da criança

fica estagnado por questões pessoais dos pais,

especialmente quando não aceitam ajuda.

Mesmo diante desses limites, quatro das

psicoterapeutas afirmaram que continuam investindo

na criança, acreditando que, de alguma forma, ela será

beneficiada pela terapia, pois é melhor uma ajuda

limitada do que nenhuma. As demais preferem não

atender a criança quando não têm o apoio dos pais,

principalmente se perceberem que as dificuldades da

criança têm relação direta com o contexto familiar.

Acreditam que mesmo que a criança esteja em

psicoterapia não conseguirá transferir o crescimento

conseguido, já que as forças contrárias serão constantes

e por parte de pessoas que lhe são significativas. Esse

posicionamento ratifica a posição de Dorfman (1974),

que considera que é demais pedir a uma criança

pequena que lide sozinha com as relações, muitas vezes

inflexíveis e traumatizantes, com os pais.

Oaklander (1980), a esse respeito, relata que é

importante ajudar a criança a fazer as escolhas que

quiser e a compreender quando elas são impossíveis,

destacando que é de grande importância auxiliá-la na

compreensão de que não pode assumir responsabilidades

por aquilo que não pode escolher.

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Outro obstáculo vivenciado pelas terapeutas

refere-se ao pequeno número de profissionais que

atuam nessa especialidade, dificultando assim uma

troca mútua e os encaminhamentos. Logo, se existem

poucas pessoas trabalhando na prática clínica e,

considerando que a teoria é fruto dela, então são

também escassas as pesquisas bem como a literatura

a respeito da prática infantil nas abordagens estudadas.

Esses obstáculos têm toda uma repercussão na

motivação das pessoas para trabalhar com crianças.

Recursos utilizados

Através das falas, pôde-se distinguir dois tipos

de recursos usados pelas terapeutas: a rede social da

criança e os recursos técnicos. Quanto à rede social, as

psicoterapeutas acreditam na importância da família

como recurso fundamental para auxiliar o processo da

criança. Entendem também que, muitas vezes, a criança

é o paciente identificado, o denunciador de toda a

disfuncionalidade familiar.

É consenso entre as terapeutas que a família

pode atuar como colaboradora e mantenedora do

sintoma da criança e, nesse caso, colocam em dúvida

os resultados da psicoterapia infantil quando não se

faz um trabalho conjunto com a família. Todas

trabalham com a rede social da criança; no entanto, a

forma de trabalhar é que varia de orientação. Para elas,

a terapia deveria possibilitar aos familiares serem atores

ativos de sua história e não apenas a platéia que assistirá

e receberá todas as informações a respeito de como

recuperar as circunstâncias que estão produzindo

sofrimento. O fato de não se colocar como pessoas que

participam como agentes transformadores de sua

própria história os isenta de uma maior responsabilidade,

tornando a relação com o psicoterapeuta e

com o processo psicoterápico superficial e pouco

comprometida, sendo, assim, mais difícil conquistar o

crescimento.

Convém ressaltar que, assim como Grandesso

(2000b), entende-se como imprescindível respeitar os

conhecimentos dos pais da criança em relação ao

problema que vivem. Como protagonistas da história

vivida, seu conhecimento caracteriza-se como uma

espécie de “conhecimento a partir de dentro”. Os pais,

por viverem com a criança, conhecem-na muito melhor

que qualquer terapeuta, tomando como referência o

seu lugar como pais. Comunga-se também com tais

idéias, pois se entende que os pais têm recursos

naturais, na prática de convivência com a criança, que

podem ser mobilizados terapeuticamente.

Grandesso (2000b) considera importante que o

terapeuta esteja atento quanto aos ganhos, perdas,

apreensões, medos e aborrecimentos, ações, narrativas

organizadoras dos problemas que os membros da

família vivem, que podem favorecer ou dificultar a

busca de alternativas de mudança.

Em relação aos recursos técnicos, de maneira

geral, as psicoterapeutas utilizam brinquedos e outros

recursos normais de uma sala de ludoterapia - previstos

na abordagem que têm como diretriz -, que variam

entre estruturados e não estruturados, sendo os últimos

priorizados pelas psicoterapeutas psicodramatistas.

As terapeutas também consideram o valor de

se utilizarem como recurso algumas técnicas de outras

abordagens, desde que com conhecimento, responsabilidade

e concordância do cliente. Molina-Loza (2002)

partilha essa idéia, considerando que se servir de um

tipo de abordagem não implica, necessariamente,

abandonar todas as outras. Para o autor, uma forma de

intervir que fosse igualmente válida para todo mundo

representaria um empobrecimento, pois não se

utilizaria essa ou aquela abordagem segundo os

problemas apresentados pelos clientes, mas se

adaptariam os clientes aos limites das teorias.

Infelizmente, é isso que acaba acontecendo quando

se “pertence” a um modelo.

Assim, quanto à utilização de técnicas,

concorda-se com os psicodramatistas Bermúdez (1997),

e Ferrari (1984), Oaklander (1980; 1994; 1999; 2000), da

Gestalt terapia, e Axline (1980a, 1980b), da abordagem

centrada na pessoa, de que a técnica para a prática

infantil é necessária como instrumento mediador de

comunicação, mas não deve ser tomada como um fim.

Necessidades sentidas pelas psicoterapeutas

As psicoterapeutas entendem que, além do

aperfeiçoamento permanente, é igualmente importante

estarem atualizados em relação ao universo infantil

de maneira geral: suas brincadeiras, linguagem, jogos

que estão no mercado, literatura, programas de TV,

músicas, informática, vida escolar por meio de visitas à

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escola que a criança freqüenta, enfim, conhecer o

cotidiano dessa criança no país, no estado, na cidade e

na sua família.

É ainda sentido como necessidade estarem

atentos ao trabalho pessoal do profissional por meio

de psicoterapias, já que a sua criança está constantemente

sendo acionada. Revisar a prática mediante

supervisões e trocas entre profissionais é também uma

necessidade. Infelizmente, em virtude de existirem

poucos profissionais que atuem nessa especialidade,

há dificuldade nesse sentido, assim como dificuldade

em encaminhamentos e indicações.

Essa carência se estende, conseqüentemente,

para a literatura da teoria e prática dessa especialidade,

que é pouca e desatualizada. Os profissionais interessados

têm de buscar apoio em outras abordagens e fazer

um esforço grande de articulação para que não fique

fragmentada. Nesse sentido, Osório e Valle (2002) fazem

uma ressalva: trabalhar com distintos marcos

referenciais teóricos requer um nível de habilitação ao

qual só têm acesso profissionais mais experientes.

Também foi relatada uma carência muito

grande em relação a congressos, palestras e cursos

voltados para a prática clínica infantil.

Avaliação da especialidade

As psicoterapeutas acreditam que a prática

clínica infantil está restrita por ser mais difícil trabalhar

com a criança, e por exigir do profissional a compreensão

da linguagem simbólica manifesta pela criança

através da fantasia, da brincadeira. Também foi

destacado que essa prática é altamente frustrante,

exigindo grande limiar do psicoterapeuta para não

desistir, considerando a dependência que o processo

da criança mantém em relação à sua rede social,

principalmente seus pais. Portanto, trabalhar com a

criança é trabalhar simultaneamente com a família,

tornando-se, assim, uma prática de grande

complexidade.

Também foram feitas referências à demanda

física que a criança requer do psicoterapeuta, sendo

considerado um fator que gera cansaço nos psicoterapeutas

mais velhos, que muitas vezes acabam por

desistir de trabalhar com ela por não agüentarem mais

abaixar, levantar, sentar-se no chão ou até pular.

O sucesso do trabalho do terapeuta depende

muitas vezes da habilidade/conhecimento do

profissional nesse âmbito familiar. E não se sabe se os

profissionais estão com formação e/ou habilitação para

tais práticas e, conseqüentemente, quais são os níveis

de frustração que têm vivenciado.

De maneira geral, segundo as participantes, o

próprio enfoque do curso de psicologia está mais

voltado ao adulto do que à criança. Num contexto mais

amplo, isso repercute na formação do psicólogo e na

escolha dos estudantes ao fazerem sua opção de

atuação, por conseguinte, essa área cada vez mais tem

um reduzido número de pessoas.

Branco (1998) traz alguns questionamentos às

universidades, indagando sobre o tipo de profissional

que se quer formar no curso de psicologia: se

comprometido com a mudança ou com a legitimação

das relações sociais.

Webber, Botomé e Rebelatto (1996, p.11)

criticaram os currículos dos cursos de formação,

considerando-os “mais voltados ao ensino de técnicas

e modelos de atuação existentes (e consagrados) do

que ao desenvolvimento de atuações profissionais

socialmente significativas”.

Silva (2001) afirma que atualmente se vive em

busca de uma psicologia clínica que, levando em conta

os saberes dos quais se dispõe, efetue intervenções nas

vidas, nas relações, nas subjetividades das pessoas, sem

cair em contradição ou ser rechaçada pelas próprias

críticas de quem a pratica. Uma clínica que invente

práxis éticas e politicamente comprometidas.

Segundo Bock (1997), a meta do psicólogo deve

ser estar sempre em movimento. Um psicólogo aliado

da transformação, do movimento da sociedade e dos

interesses da maioria da população. Um psicólogo

inquieto, conspirador, que saiba estranhar aquilo que

na realidade se tornou tão familiar que chega a ser

pensado como natural. Um psicólogo permeável às

inovações, que aceite o desafio de, coletivamente,

produzir alternativas à psicologia tradicional.

Outras observações

O trabalho com a criança foi considerado muito

importante, visto que lidar precocemente com as

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questões que trazem inquietações e sofrimento é muito

mais proveitoso do que lidar com elas quando já estão

muito cristalizadas.

As participantes avaliaram que ser

psicoterapeuta é muito gratificante, mas também

muito difícil, porque o profissional é o próprio

instrumento de trabalho e isto significa que, para se

oferecer um trabalho de boa qualidade, é preciso estar

bem pessoalmente e capacitado com conhecimentos

teórico-técnicos, mediante supervisões, especializações,

e isso tudo é muito dispendioso financeiramente.

Entretanto, o desafio não pára por aí.

Colombo (2000) considera estimulante e

desafiador o fato de que o psicoterapeuta escolhe uma

atividade profissional na qual é chamado a utilizar como

instrumento básico de trabalho o próprio self. Para a

autora, é inquietante saber que a mágica que o

terapeuta deve oferecer é a sua integridade, aqui e

agora; habitar a sua morada, estar em conexão consigo,

com a própria história, crenças e preconceitos, com o

humano e o sagrado dentro de si. Enfim, trazer o que

somente é possível, na singularidade e integridade.

Whitaker e Bumberry (1990) destacaram que apenas

quando se luta consigo próprio é que se fica livre para

trazer a si mesmo para o consultório psicoterápico e

não apenas o uniforme de terapeuta.

Considerações Finais

Quando esta pesquisa foi iniciada, uma das

inquietações que a pautavam referia-se à necessidade

de se buscar recursos não apenas em uma abordagem

e também não somente na psicologia. Havia

inicialmente uma grande convicção da necessidade e

importância de buscar, em outras áreas, o apoio

substancial para um pleno desenvolvimento do

processo terapêutico da criança. Entretanto, tal

convicção não se estendia à busca de apoio em outras

abordagens, visto a incompletude de cada teoria diante

da amplitude e complexidade do ser humano -

especialmente no que se refere a uma abordagem

psicoterápica infantil. Incomodava a possibilidade de

que colegas e comunidade científica considerassem tal

procedimento como “eclético”, “salada”, embora a

experiência demonstrasse que uma integração

cuidadosa muito poderia enriquecer a prática clínica.

Após todo o percurso de campo e teórico, a

necessidade de busca de apoio em outras abordagens

também foi encontrada em algumas psicoterapeutas

colaboradoras, além de ter ficado evidente na revisão

literária que alguns autores compartilham essas idéias.

A partir de então, tal posicionamento tornou-se mais

confortável, pois se constatou que, na verdade, a

inquietação suscita mudanças e não é prudente fechar-

-se em uma só verdade quando há o comprometimento

com o avanço da ciência psicológica. Hoje, a

idéia de fixar-se a um só modelo já está sendo superada

e vista como possibilidade de ficar amarrado ao

dogmatismo de uma ou outra corrente do pensamento

constituído. Ficar preso a um só modelo é demais

limitante; se, por um lado, isso possa trazer uma certa

segurança; por outro, fica-se amarrado. Essas amarras

contradizem o processo de autonomia que todo

terapeuta propõe possibilitar que o cliente encontre.

Se houver maior flexibilidade é possível adaptar os

recursos às necessidades dos clientes, e não os adaptar

à teoria em que se acredita.

No dizer de Fernando Pessoa, “navegar é preciso,

viver não é preciso” (precisão). Portanto, diante desse

viver tão impreciso, como é possível trabalhar com a

subjetividade dos clientes de forma tão precisa? É

preciso suportar as incertezas, deixar soltas as amarras

das teorias que aprisionam para que se possa atuar,

realmente, numa postura ética e estética com os

clientes. Acredita-se que acima da modalidade

psicoterápica está a ética, a postura do profissional

diante do fazer terapêutico.

Branco (1998) afirma que o perfil do psicólogo

hoje deve ser o de um profissional crítico, não

necessariamente de um especialista, mas sim de um

estudioso permanente das situações nas quais sua

prática esteja implicada. Um profissional que se habitue

a exercitar-se numa visão complexa e que perceba as

contradições inerentes à sua prática e a necessidade

de refazê-la, ajudando os grupos, indivíduos e

instituições a eliminarem os processos de desumanização

e alienação responsáveis pelo sofrimento

psíquico.

A formação do psicólogo precisa possibilitar o

engajamento do futuro profissional na sociedade, além

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de reelaborar o conhecimento constituído. Não se deve,

com isso, eliminar as diferenças teóricas e metodológicas,

apesar das finalidades comuns. O trabalho

acadêmico coletivo deve explicitar e aprofundar as

divergências. Além disso, a exigência por uma

articulação entre teoria e prática não poderá significar

ativismo que diminua o estudo das teorias. É preciso,

pois, abarcar de forma profunda todas as matrizes do

pensamento psicológico, em uma dinâmica de trabalho

que permita o confronto de pontos de vista e projetos

que reúnam vários campos do saber.

Para isso, é preciso estar atento às políticas

acadêmicas que priorizam determinadas abordagens,

normalmente uma ou outra dentre as mais consagradas,

fechando o aluno em algumas “verdades” em

termos teóricos e práticos, através dos estágios e da

pesquisa, impossibilitando-o de ter acesso a uma visão

mais global e com práticas comprometidas com o

avanço da ciência psicológica. Para que, ratificando o

pensamento de Bock (1997), seja possível formar

profissionais críticos, inquietos, permeáveis às inovações

e que aceitem o desafio de, coletivamente, produzir

alternativas à psicologia tradicional, tudo isto aliado à

transformação, ao movimento da sociedade e aos

interesses da maioria da população, há de se olhar

criticamente a própria atuação como clínicos e

docentes, avaliando se a postura está sendo coerente

com o avanço da ciência psicológica ou de especialista

de conhecimento, fechado numa só verdade.

Entende-se que através do percurso percorrido

na elaboração desse estudo seja possível, com base em

abordagens tradicionais, promover reflexões que

possibilitem avaliá-las de forma respeitosa, pelas

valiosas contribuições que oferecem à prática clínica,

porém, sem esquecer que são algumas possibilidades

dentro de um leque de opções. Não se pode, portanto,

fechar-se nessas verdades e também não se pode deixar

de considerá-las como úteis e eficazes, mesmo diante

do avanço da ciência.

Embora este estudo tenha partido das práticas

tradicionais, não se restringiu a apenas uma abordagem

e também possibilitou algumas reflexões para além

delas, através dos temas emergentes nas entrevistas.

No entanto, fica a contribuição para futuras pesquisas

e também a reflexão de que as práticas tradicionais são

muito importantes, mesmo com todo avanço da

psicologia. Mas, como clínicos e docentes formadores

de psicólogos, é necessária uma certa permeabilidade

que possibilite crítica e flexibilidade para acompanhar

a evolução e exercer uma prática para além do

instituído, a serviço da humanização e desalienação.

Vale ressaltar, também, a localidade onde essa

pesquisa foi realizada - realidade Pernambucana,

ficando também a sugestão para futuras pesquisas em

outras regiões brasileiras.

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M.I.M. COSTA & C.M.S.B. DIAS

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